Num ano ruim de inverno
As alegrias se afastam
A caatinga fica seca
As folhagens se arrastam
Os açudes racham a lama
E o sertanejo reclama
Pois os rios se devastam
Os nossos bois já não pastam
Conta-se osso por osso
A vaca seca seu leite
O pobre não tem almoço
A juriti canta triste
E o cabrito não resiste
Um chocalho no pescoço
Os peixes em alvoroço
Procuram sobreviver
Nadando na lama escura
Isso agente pode ver
Num espaço que lhe aperta
Nadando de boca aberta
Lutando para viver
O urubu ao descer
Encontra o boi que morreu
Atolado no açude
Onde ele sempre bebeu
Mas de uma réis estendida
Buscando o líquido da vida
Que dali desapareceu
Um vegetal que morreu
Pela chuva que faltou
Na sua galhada seca
Um sabiá que pousou
A mata perdeu o terno
Ela só canta no inverno
Na seca nunca cantou
Num cacimbão que secou
Um cururu ressecado
Um rastro de guaxinim
Um outro sapo esfolado
Ossos por cima de rolos
E um caçote entre os tijolos
No cacimbão sepultado
A carcaça de um veado
Que os cachorros mataram
Cenas de lutas no chão
Que ali eles travaram
Quem visse sentia mágoa
Morreu procurando a água
Que eles não encontraram
No chão que eles pisaram
Resto de vegetação
Vísceras meladas de terra
Espalhava-se pelo chão
De fora o urubu olhava
E o seu olhar revelava
Aquela degradação
A cantiga do cancão
Tinha um som de tristeza
O vento soprava forte
Levando a folha indefesa
As luzes do sol brilhavam
E os seus raios queimavam
O rosto da natureza
Como uma luz acesa
O astro rei se mostrava
Vagando no infinito
No céu azul caminhava
Não tinha água na fonte
E na barra do horizonte
A sua luz se ocultava
A noite se apresentava
Amenizando o calor
A fome rondava a mesa
Da casa do agricultor
A tristeza se espalhava
A mulher se ajoelhava
Pedindo chuva ao senhor
Quem visse sentia dor
Daquela mãe magricela
Com o seu filho no braço
Chupando no peito dela
A mãe sem ter alegria
Pois leite não existia
Que alimentasse ela
Bem perto de uma cancela
Um cavalo cochilava
Quem se aproximasse dele
Sua fraqueza notava
Sem ter mais o que comer
Marcado para morrer
Porque não se alimentava
Quem dali se aproximava
Via o baixio ressequido
Onde antes era um açude
Com muito capim florido
A lama estava rachada
E agente via a ossada
Que os peixes tinham morrido
Lá num buraco escondido
Um caboré vigiava
A lagartixa tristonha
Com a cabeça afirmava
A carcaça de um garrote
E os urubus de magote
Em cima dela pousava
O carcará esperava
A sua vez de atacar
Com seu terno branco e preto
Sem ter como desbotar
Com suas garras afiadas
Preparava as emboscadas
Pra poder se alimentar
Lá na vereda o preá
Fugia pra não morrer
Mas do faro do cachorro
Não podia se esconder
Mesmo com agilidade
Não achava liberdade
Pra poder se defender
Sem ter muito que fazer
O sertanejo vagava
No rio onde tinha água
Só a areia restava
Olhando o céu azulado
Com sede e angustiado
Só em Deus acreditava
Com fé se ajoelhava
Esse homem sofredor
Desprezado da Elite
Só visto como eleitor
Entre sonhos e desenganos
Só de quatro em quatro anos
É que ele tem valor
Na casa do Agricultor
Restos de milho no chão
Lá no canto da parede
Um punhado de feijão
Uma mãe amargurada
E uma criança deitada
Chupando um dedo da mão
Sem ter alimentação
Uma vaca se deitava
Um bezerro magricelo
Perto dela esperava
Que a mãe se levantasse
Pra ele se alimentasse
Que a dois dias não mamava
Tudo que ali se encontrava
Era um retrato falado
De uma seca no sertão
Que nos deixa angustiado
Mesmo eu sendo professor
Eu dividi minha dor
Com esse homem desprezado
Esse sertão do passado
Hoje em dia ele mudou
Os programas sociais
Grande impacto causou
O sertanejo é contente
Desde que Lula é presidente
O sertão se transformou
Por isso que hoje estou
Escrevendo esses relatos
No sertão de hoje em dia
Ninguém se ver mais maltratos
Escrevi em poesia
Sem nenhuma hipocrisia
Nem manipular os fatos
AUTOR: DAVI CALISTO NETO.
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